Endividamento

Estima-se que, atualmente, mais de 80% das famílias brasileiras estão convivendo com o orçamento doméstico apertado e com dificuldades para saldar suas contas. É a cultura do endividamento que tomou conta não só do Brasil, mas de outros países também, inclusive os Estados Unidos. São várias as causas: basicamente, a falta de educação financeira; concorrem também as facilidades de crédito, o consumo excessivo, os baixos rendimentos, os novos produtos e serviços, o desemprego, o aumento de preço de alguns itens de primeira necessidade, a publicidade, motivos psicológicos (baixa auto-estima, baixa tolerância à frustração, impulsão ou compulsão por compras, etc) e a nada confessável falta de responsabilidade ou caráter, mesmo.

O ideal seria que comprássemos tudo – do pãozinho de cada dia até bens de maior valor como a geladeira, o computador, a moto, o carro, o apartamento ou a casa – com dinheiro, à vista. Certamente, são poucas as pessoas que tem esse cacife: ou porque tem uma disciplina que lhes permite economizar, durante algum tempo, acumulando o dinheiro necessário para adquirir o bem desejado; ou porque receberam algum dinheiro extra. Assim, as pessoas assumem dívidas que, como o colesterol, podem ser boas ou ruins. Dívidas ruins são tipicamente para consumo, bobagens compradas por impulsos ou compulsões. Já as dívidas boas ajudam a aumentar o patrimônio (compra de casa ou apartamento próprio, máquinas de trabalho, etc), proporcionam melhores oportunidades profissionais (freqüentar cursos).

É fácil imaginar que as dívidas são simples contas a pagar. E são. O problema aparece quando comprometem grande parte de nosso salário ou renda, levando bem mais do que apenas nosso dinheiro: perda de liberdade – quando estamos sobrecarregados de dívidas, as opções se estreitam de maneira considerável, impedindo-nos de fazer o que gostaríamos; perda de fluxo de caixa – faltam “trocados no bolso” para as despesas diárias e, principalmente, para as imprevistas; perda de tempo – o tempo gasto, preocupando-nos com as dívidas ruins, poderia ser usado de forma mais positiva; perda de oportunidades – perdemos oportunidades de bons negócios porque estamos financeiramente desprevenidos ou incapacitados.

O que fazer? A maioria das pessoas acha que com um aumento de salário ou renda, todos os seus problemas estariam resolvidos. Num primeiro momento, é possível. Entretanto, se a pessoa não souber administrar pouco, provavelmente criará para si problemas maiores com mais dinheiro na mão. A não ser que seja contemplada com o prêmio de uma mega-sena, quando pode gastar dinheiro à revelia. Mesmo nesses casos pontuais, é aconselhável ser prudente: pesquisas mostram que mais de 70% dos ganhadores de grandes prêmios ou grandes fortunas, em poucos anos, acabaram em situação pior do que antes.

Igual ao alcoolista que precisa reconhecer que está com um problema para tentar êxito em algum tratamento, quem vive endividado também precisa 1) reconhecer que tem um problema: não adianta só queixar-se, colocar a culpa no patrão, na família, no governo; 2) buscar auxílio: compartilhar o problema com as pessoas próximas e buscar auxílio com pessoas que realmente podem ajudar (consultores financeiros, psicólogos, padres ou pastores); 3) mudar de atitude: substituir pensamentos restritivos de que dá muito trabalho, que é coisa de pessoa que ganha muito dinheiro, que é estressante, etc. por outros mais positivos, de que é possível viver com mais tranqüilidade e prosperidade.

O endividamento produz conseqüências, no mínimo constrangimentos, quando não problemas: 1) questões práticas: contas, dívidas, obrigações, etc, acabando com a inclusão do nome em cadastros negativos; 2) questões emocionais: ansiedade, preocupações, sentir-se incapaz e frustrado, estresse; 3) dificuldades de relacionamento: familiar, social, profissional; 4) perda de produtividade, de prazos; 5) quebra de negócios ou desemprego; 5) doenças.

Toda dívida, independente do valor ou do “esquecimento”, precisa ser paga ou, pelo menos, renegociada ou até perdoada, principalmente as assumidas com pessoas físicas ou pequenas empresas, com menor poder de cobrança, por terem um impacto maior na vida desses credores. Por mais chato e difícil que seja, a única alternativa para o devedor, sob o ponto de vida espiritual, é procurar o credor, reconhecer a dívida e negociar ou renegociar uma forma de pagar o que deve que seja justa para ambos. Eventuais dúvidas ou discordâncias podem ser questionadas, não só no Judiciário, geralmente demorado por várias razões, uma delas a sobrecarga de ações, mas, também, nos Tribunais de Mediação e Arbitragem, muito atuantes em países desenvolvidos e em implantação, no Brasil – já existem vários em atividade, inclusive no Rio Grande do Sul – e que são amparados pela Lei nr. 9.307, de 23.09.1996. Porque, quer acreditemos, ou não, no Universo existe um permanente acerto de contas –“de” e “para” alguém –, que, em algum momento se realiza. Às vezes, de forma inesperada, incompreendida ou até dolorosa.


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